terça-feira, 29 de outubro de 2019

E O CAMANDRO





No miradouro de São Pedro de Alcântara alguém decidiu abrir uma lojinha de sumos naturais.
"Olha que boa ideia! É mesmo isso que me apetece!" pensei eu a arfar de calor e a antecipar a vista do miradouro, à sombra.
A decoracão é muito beachy e reciclada (what else?) e no quadro estavam 3 variedades de combinação de frutas e todas tinham curcuma e gengibre e o camandro... (pausa para revirar os olhos de enfado)
"Hiiiii!" cumprimentaram-me super efusivos!
"Olá. Tudo bem" respondi eu, apagando-lhes, estranhamente, o sorriso da cara.
Pedi o que me pareceu mais simples: banana e laranja. E a cúrcuma e o camandro, vá!
Pedi o copo mais pequeno. Bom tamanho.
O rapaz cortou os ingredientes para dentro do liquidificador, enquanto eu me preparava para pagar.
"São 3,95€" primeiro choque! Quase desisti. Mas o calor aperta e apetece-me mesmo banana e laranja.
Logo a seguir cheio de orgulho e sorrisos informa-me: "nós não usamos eletricidade e por isso o nosso liquidificador é movido pela bicicleta!"
Pausa. Silêncio. Ligeiro esgar de intriga.
"Ah! E sou eu que vou bater o meu sumo?" pergunto, contendo a gargalhada.
"Sim. Faz parte da experiência!" explicou-me ele super entusiasmado!
A minha expressão mudou drasticamente, assim para um daqueles olhares gelados de quem o manda à merda. Acho que percebeu e lá subiu para a bicicleta.
Esperei. Sem esboçar nenhuma emoção. A não ser talvez um revirar de olhos que notoriamente afirmam "ridículo".
Esperei. Lamentando, mentalmente, que não iria poder beber o suminho, tranquilamente a olhar para o castelo, beberricando por uma palhinha. Claro que não têm palhinhas. Duh. Depois disto, esquece palhinhas!
O rapaz, quase ofendido, por eu não ter achado super brutal e mais não sei quê, esta ideia genial que tiveram de pôr os clientes a pagar balúrdios para pedalar, pergunta-me no final:
"Quer pimenta preta?"
"Não obrigada"
Espantado, faz-me o "favor" de me explicar:
"Mas a pimenta preta activa o sabor da cúrcuma"
"Exacto..." respondi-lhe, virando costas.

P.S.O "camandro" é relva! Só pode!

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

NÃO SE É LIVRE SEM MEMÓRIA




A Joacine diz que é radical e luta contra as elites e as desigualdades e a masculinidade no parlamento e blá blá blá...
O que a mim me parece é que a Joacine não sabe que vivemos num país onde uma ministra em plenas funções, esteve grávida, pariu o quarto filho, gozou de metade da sua licença, por opção, não descurou as suas responsabilidades, conjugou a sua vida pessoal, profissional e familiar e não fez de nada disto bandeirinha.
O que a Joacine não sabe é que vivemos num país onde muitas mulheres se sentam no parlamento há muitos anos e não estão lá só por serem mulheres.
O que a Joacine não sabe é que vivemos num país onde uma ministra da justiça é negra e não está lá só porque é negra.
O que a Joacine não sabe é que vivemos num país onde o primeiro ministro é de ascendência goesa e que ninguém votou nele por causa da sua cor.
O que a Joacine não sabe é que vivemos num país, onde um partido conservador já integrou um negro, um deputado de ascendência indiana, um deputado de ascendência chinesa, uma bancada parlamentar com uma maioria feminina, uma líder mulher e uns quantos homossexuais e que nunca fizeram disso cartazes, nem parangonas.
O que a Joacine não sabe, ou prefere ignorar é que mais do que um partido desta democracia é liderado por mulheres, que afinal são apenas pessoas competentes e capazes disso mesmo.
O que a Joacine não sabe (ou já esqueceu) é que vivemos num país que já teve uma primeira ministra.
O que a Joacine não sabe é que vivemos num país que já teve uma presidente da Assembleia da República, mulher e lésbica e ninguém, nem ela própria, enalteceu nada disto, por não ser sequer assunto, nem ser da nossa conta.
O que a Joacine não sabe é que vivemos num país que tem deputados e ministros e secretários de Estado homossexuais, que sabem que isso não faz parte do seu CV.

E o que eu quero mesmo é que continuemos a viver num país onde nada disto é bandeirola e a verdadeira importância e o verdadeiro destaque se dêem às competências.
Essa, para mim, é a verdadeira igualdade!

A Joacine que se deixe de paleio e que diga ao que vem, se é que vem a alguma coisa mais, para além de ódios, instabilidades, carimbos, rótulos e vacuidades de "identity politics".

DIZ QUE A CULPA É NOSSA...



Os miúdos têm razão. Está na altura de nos retratarmos. Não podemos ser responsáveis pela educação de mais uma geração poluente.
Se eles são as vítimas das nossas decisões passemos então a decidir-lhes a vida que reivindicam.

Os adolescentes podem ir a pé ou de transportes para o liceu. Como nós íamos, lembram-se? Eles que levem as mochilas, os sacos das actividades e a lancheira. Como nós levávamos, lembram-se? Para diminuirmos esta coisa de andar de carro por causa dos horários deles.

Não há mais Coca-Cola nem gasosas em casa. Nada de garrafas de plástico. Nunca mais os levem ao McDonalds. E acabem com as pizzas, os Glovos e os UbberEats desta vida! Isso tudo vem de mota e acumula lixo.
Façam sopa todos os dias, alimenta e faz muito bem à saúde. E sumos e bolos de cascas de fruta da época. E nada de comidas em pacote, nem industrializadas! Cá batatas fritas, gomas, cheetos ou cereais?!
Acabem com os alimentos de pegada ecológica. Só produtos locais. Couves e assim. Se eles quiserem comer bananas, comem quando forem à Madeira. De barco à vela.

Não lhes comprem carro! Nem motas. Ofereçam-lhes uma bicicleta. A pedais. Ou um carrinho de rolamentos. Ou um skate. Nada eléctrico, que essas baterias de lítio...

Os telemóveis, os tablets e toda a tecnologia das suas vidas é para estimar e durar. Deixem de lhes comprar novas versões a torto e a direito. E nada de capas da moda. São desnecessárias, todas de plástico e borracha e assim. Se o iPhone 5 funciona, tá bom, não mexe. Se alguma coisa avariar, não substituam. Mandem arranjar. Como nós fazíamos, lembram-se?

Acabem com os ténis da moda e as roupas tendência. É bom que comecem outra vez a "herdar" a roupa dos irmãos, das irmãs, dos primos e das primas. Talvez até as vossas camisolas dos anos 80 ainda lhes sirvam. Como nos faziam, lembram-se?

Quanto ao material escolar reciclem a pasta antiga dos vossos pais, ou mesmo a vossa do Sport Billy. Cá marcas, nem malinhas Lancel para as meninas!?
Em última análise comprem-lhes uma de cortiça. E ofereçam-lhes cadernos de papel reutilizado, com uma argola num furo. Lembram-se?

E quando quiserem fazer Erasmus, comprem-lhes um bilhete de comboio, aqui pela Europa.

Dediquem-lhes os fins de semana à natureza! Há vindímas em Setembro na terra dos avós.

Enfim. Concretizem-lhes os sonhos. Façam-lhes a vontade.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

9 DE NOVEMBRO DE 1989


Eram 8.00 da manhã. Eu tinha 13 anos e ainda ia de mochila às costas para o colégio.
Nesse dia tudo se atrasou e por isso ali estávamos, no banco de trás do carro, eu e o meu irmão.
À hora em ponto começaram as notícias na rádio. Aumentou-se o volume. O destaque ia para a queda do muro de Berlim.

“A sério pai?!” - perguntei com entusiasmo por andarmos os dois em conversas de antecipação. O meu avô ia para lá no mês seguinte e por isso as discussões sobre o assunto andavam vivas lá por casa.
“Sim! Enquanto dormes o mundo vai acontecendo noutros sítios. Ouve com atenção filha. Ouve com atenção, que estás a viver um dos primeiros dias históricos na tua vida. “
Aproximei-me do ombro dele, ali entalada entre os dois bancos da frente, como quem redobra os sentidos para não perder pitada.

Era um dia histórico de facto. Daqueles que alteram o curso de tudo e de tantos.
Mas permitam-me que me lembre desta data como um daqueles momentos que se cravam na memória da cumplicidade com o meu pai. Um dos primeiros. Um de muitos.
Fazes-me esta falta, pai.




segunda-feira, 25 de setembro de 2017

500 MIL LISBOETAS | AUTÁRQUICAS 2017



Somos sensivelmente meio milhão de lisboetas.

A repetirem-se os valores de abstenção das últimas autárquicas irão às urnas 250 mil alminhas. Mais coisa, menos coisa.

250 mil pessoas vivem facilmente em 5 quarteirões de São Paulo.
250 mil pessoas é facilmente o número de habitantes de um bairro dos arredores de Londres.

Estas ruelas de São Paulo ou esta periferia de Londres vai, no próximo dia 1 de Outubro arrastar-se até ao cubículo mais próximo, para distribuir cruzinhas em três boletins.

À luz das últimas sondagens, 19.995 "xovens do contra" , mais cinco raparigas que o acham lindo votarão no Robles.
Outros 20.000 empedernidos votarão no PC.
40.000 eternos jotinhas votarão na Leal Coelho (Porquê? Não sei!). E 42.500 betos votarão na Assunção.

Restam 102.478 deslumbrados (entre millenials, umbiguistas, egas aburguesados, empreiteiros, patos bravos e santos silvas) mais 22 ciclistas, que irão votar pela primeira vez, num tal de substituto, vindo do Porto, chamado Fernando Medina.
Se isto não é uma maioria (muuuuito) relativa, não sei o que será...

E os outros?
Os outros estão fartos, desiludidos, cansados e esmifrados. E por isso vão à bola, à missa, ao parque, ao Chiado, ao MacDonald's ou ao raio que os parta. É justo!

Mas lembrem-se , que enquanto estiverem a domingar estarão, ao mesmo tempo a permitir que meia dúzia de gatos pingados, vos expulse daqui para fora à conta dos próximos episódios da senda das epifanias de Medina e seu arquitonto Salgado.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A SOCIEDADE DOS RÓTULOS


Ontem as feministas viralizaram cheias de admiração e orgulho, o discurso de Ryan Gosling, de agradecimento à sua mulher, que ficou em casa sozinha a cuidar da criança mais velha, enquanto estava grávida da criança mais nova e cuidava do irmão, que definhou com um cancro. Sozinha. Sem o apoio do marido, que por causa deste bastidor pôde ir filmar para longe.
Hoje é o agradecimento de Obama a Michelle, que se tornou viral. Aquela Michelle que, segundo o próprio Barack, abdicou da sua vida profissional, para o apoiar naquilo que não escolheu para ela.
Só para esclarecer e tirar uma teima: feministas da minha alma, vocês aperceberam-se que se derreteram todas, exaltando o marido que agradece o apoio duma "esposa recatada e do lar" que escolheu os bastidores da vida do seu homem, certo?
Não me interpretem mal! Eu admiro, e sempre admirei, estas mulheres. Vocês é que não costumam admirá-las...

Posto isto, quase me entusiasmei, com a oportunidade de vos agradecer a incoerência que continuo, tantas vezes, a constatar na forma dos discursos e movimentos feministas que proliferam. Na forma, mais que no conteúdo.
No entanto, a forma, continua a questionar-me porque tanto refuto o rótulo de feminista. E por isso em vez de agradecer decidi insistir naquilo que prefiro chamar-me: Humanista. Só. (como se fosse pouco)

Porquê? Porque o cor-de-rosa e o azul não me incomodam nada.
Acredito que há dois géneros e que o neutro existe apenas no it da lingua inglesa. Homens e mulheres são diferentes e gosto de exaltar e respeitar muitas dessas diferenças.
Não sou igualitária, porque sim. Mais do que pela Igualdade de géneros, gostaria de ser livre para lutar pela Paridade.

Acredito que a importância do Feminismo, na história da sociedade, reside acima de tudo na conquista da liberdade de escolhas e por isso refuto a forma como os movimentos feministas deste século me impõem tantas vezes um guião de condutas e pensamento.

Não acredito, nem quero construir uma sociedade de amazonas. Quero apenas focar-me na construção e evolução duma sociedade par e respeitadora de cada um.
Acho que quanto mais nos debatemos com as questões de género, mais vincamos as diferenças que desequilibram a sociedade e alimentam as "abébias".
Recuso quotas, datas especiais, paragonas "da primeira mulher presidente do raio que o parta" ou palavras novas tipo femicídio ou cidadona! Não obrigada! Nunca fui grande apreciadora de guetos.
Homens e mulheres destacam-se. Ponto. Porque sim e porque todos fazemos parte. Juntos.
Enquanto andarmos nisto e nestas trocas de galhardetes, continuamos a anos luz da questão principal.


Em tempos, recentes, acreditei que este revivalismo do Feminismo era essencial na afirmação das diferenças. Depressa entendi que estas minhas ilusões sobre o que eu achava que seria o caminho natural do tal Feminismo que tanto urgia descolar-se da caricatura e da percepção pejorativa que ainda subsiste sobre ele, não ia acontecer.

O tal "ser feminista". Que eu declino, muito obrigada. Sim, sou humanista.


sexta-feira, 22 de julho de 2016



Tenho menos palavras do que há um ano atrás quando me morreste.
Tenho menos fôlego e menos força.

Por esta hora, o ano passado, quebrei-me.
Em terra ficou a minha existência pragmática, autómata e vazia.
As emoções e os sentimentos que nos fragilizam ficaram a pairar à espera do momento em que me pudessem encontrar de novo. Um ano depois, à mesma hora, chegaram.
Vieram devagar, pelas estradas dos últimos dias e avisaram-me de cada vez que me lembrei de cada um dos teus últimos momentos. Ou dos meus contigo.

Já sou outra e só agora é que voltei a ter medo, mas prometo que só choro hoje pai.
Depois voltarei a ser aquela que cá deixaste, bem feitinha, bem crescida e bem construída.


quarta-feira, 11 de maio de 2016

ENTÃO E OS ALUNOS?


No meio de toda esta polémica sobre os contratos associação das escolas privadas o que mais me intriga e incomoda é a ausência de sugestões que salvaguardem a justiça no acesso à Educação, que é afinal obrigação do Estado.
Tanto do lado de quem se opõe (com argumentos que tendem a nivelar um país na mediocridade, em nome da igualdade) quanto do lado de quem defende (com o argumento da liberdade de escolha, que é afinal irreal e incongruente) parece que ninguém reconhece que a justiça na igualdade (de oportunidade, que é nisso que acredito) de acesso à educação ou a liberdade indivudual de escolha só será garantida se o Estado assumir de facto a prioridade Alunos (e não sindicatos) e a obrigação de acesso à educação por parte de todos, apoiando de forma igual, justa e simplificada, o núcleo de todo este universo: as Familias.
Em suma, não consigo entender como é que no meio de toda esta discussão inquinada por ideologias políticas ou populismos e demagogias da gerigonça, não haja uma voz que fale do Cheque Ensino! Distribuído a todas as familias, de igual valor e que lhes confira real liberdade e justiça.